A "BAGUNÇA
GENIAL" DA GREVE DO CPII EM 2012
A greve de 2012 no Colégio Pedro II colocou em evidência
dois fenômenos bastante característicos e representativos
do que é o nosso colégio. Por um lado, o alto grau de autonomia,
participação e discernimento político dos alunos
do CPII. Por outro lado, o argumento amplamente difundido de que esses
mesmos alunos são manipulados e conduzidos por professores, servidores
técnico-administrativos, sindicalistas e outras indecifráveis
forças ocultas.
Nenhum dos dois fenômenos deveria ser surpreendente.
A intensa participação dos estudantes do CPII no movimento
político que tomou conta das instituições de ensino
de todos os níveis no Brasil, desde o início de 2012, é
apenas um sintoma do elevado grau de consciência que encontramos
em sala de aula, quando somos colocados diante de alunos inquietos, críticos,
sensíveis e questionadores.
Surpreendente seria não encontrar esses estudantes nas lutas em
defesa da educação, já que nos cansamos de observar
seu engajamento em diversas lutas sociais, aparentemente distantes daquilo
que costumamos delimitar como "educação", mas
que constituem parte da experiência pedagógica e humana do
aluno do Colégio Pedro II.
Surpreendente seria se não encontrássemos nos alunos de
hoje a tradição de rebeldia que tem marcado a história
dos alunos do Colégio Pedro II, desde os tempos de Império
passando por todos os principais momentos políticos da história
do Brasil, inclusive nos períodos ditatoriais. Cabe lembrar que
os alunos do Colégio Pedro II já faziam greve dezenas de
anos antes de os professores pensarem em fazê-lo.
Surpreendente seria olhar para os alunos do Colégio Pedro II e
encontrar a indiferença, a prostração, o acabrunhamento,
a atitude distante e desinteressada, "o ar de quem chora um imaginário
defunto", "a correção de um boneco de museu de
cera", para usar algumas metáforas rodrigueanas.
Mas outro sintoma de nossa época aparece no recorrente argumento
bradado em ciber-manifestos, nas salas de professores e até mesmo
nas assembleias, mas que frequenta também a boca-pequena, a rádio-corredor,
o burburinho do colégio - o argumento da manipulação
sofrida pelo aluno do CPII.
Esse também não surpreende, pois é o sintoma da miopia
e da incompreensão de alguns professores diante de seus alunos.
Algo recorrente não só nos momentos de greve, mas também
nas salas de aula, conselhos de classe e gabinetes. É um argumento
que parte do princípio de que o aluno é um ser desprovido
de... Complete como acharem melhor. O complemento varia, o que não
varia é esse olhar para o aluno como se houvesse nele algo de menos,
sempre um déficit de raciocínio, de autonomia, de vontade
própria. Desprovido de.
Muitas vezes o objetivo é o de isentar os alunos de responsabilidade,
acusando professores e técnico-administrativos como os irresponsáveis
que colocam os alunos em situações nas quais eles não
estariam em sã consciência. Paternalizam a rebeldia como
forma de negar sua legitimidade e autenticidade.
O passo seguinte é o de deslocar a culpa dos adultos para atribuí-la
a alguns alunos, a um grupo seleto, que conduz e manipula os demais. A
conclusão subsequente dessa lógica tacanha seria a de individualizar
e punir esses exemplares da má conduta, esses "pequenos vândalos"
- esses que, no entanto, representam a "natureza cálida",
o "apetite vital" e a "ferocidade dionisíaca"
que caracteriza, nas palavras de Nelson Rodrigues, o aluno do Colégio
Pedro II de qualquer tempo.
Curioso é notar que essa indignação canalizada contra
os alunos mobilizados do Colégio Pedro II não aparece contra
atitudes autoritárias tomadas contra esses mesmos alunos tanto
dentro do colégio quanto fora dele.
Curioso também é notar a queixa frequente de que os alunos
nada assimilam nas aulas, enquanto dizem que esses mesmos alunos são
facilmente influenciáveis nas atividades fora das salas de aula,
nos momentos de greve, nas manifestações políticas.
Não deveríamos esperar, senão o senso crítico
dos alunos, pelo menos a inapelável teimosia com a qual temos que
conviver diariamente nos tempos de calmaria?
O movimento dos estudantes do Colégio Pedro II é uma força,
uma força da natureza, diria o repetitivo Nelson. Essa força
se insinua onde não percebemos e irrompe vez ou outra com uma consistência
que surpreende aqueles pouco atentos.
Nessa greve de 2012 aconteceu algo de novo que mudou o padrão,
a repetição na qual os soturnos e merencórios costumavam
assentar seus argumentos. Os alunos entraram em greve. E ao fazê-lo,
construíram seu próprio comando de greve. A partir deste,
constituíram algo até então inédito, o comando
paritário junto com os servidores, no qual alunos e servidores
eram representados com o mesmo número de votos. Desta forma, assumiram
de fato a condução do processo no qual estavam inseridos.
Diferentemente de outras greves e movimentos, quando os estudantes eram
a maioria na ação, mas tinham dificuldades de interferir
nos rumos. Essa não foi uma conquista trivial, basta recordar a
resistência que diversos setores sempre tiveram a esse nível
de engajamento dos alunos nas decisões políticas.
As consequências dessa nova experiência podem ser notadas
imediatamente, em diversas decisões tomadas durante a greve, como
no caso da ousada ocupação do gabinete da Direção
Geral. Mas nossas expectativas devem se voltar também para as consequências
no longo prazo, para o aprendizado político adquirido, para a conquista
de uma posição que dificilmente deve retroceder.
A greve hoje se encaminha para o fim, mesmo com tantas pendências
nas negociações com o governo e no âmbito interno
do Colégio. Parafraseando Nelson Rodrigues, não farei, hoje,
a crônica sobre o fabuloso sol do colégio. Pretendo escrevê-la,
com mais vagar, amanhã ou depois. O Pedro II está ardendo
no jogo da primavera. Vale a pena uma meditação sobre a
qualidade humana dos seus alunos.
P.S. - Para quem quiser ler as crônicas do centenário Nelson
Rodrigues sobre o Colégio Pedro II, indico o blog http://blogdoguilhermedecarvalho.wordpress.com/2010/12/22/nelson-rodrigues-ve-o-colegio-pedro-ii/
* Licio Monteiro, ex-aluno e professor
de Geografia da Unidade Humaitá
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